FlinkSampa 2020 lembra e homenageia o centenário da primeira escritora negra brasileira a obter projeção nacional.
Nascida em Cachoeira Paulista (interior de São Paulo) em 13 de junho de 1920, a “Mulher, negra, pobre e caipira”, como se autodenominou durante seu discurso na Bienal Nestlé de Literatura de 1983, Ruth Guimarães Botelho é celebrada e homenageada na 8º edição da FlinkSampa. Para celebrar seu centenário, a Festa do Conhecimento, Literatura e Cultura Negra apresenta como pano de fundo dos debates literários, que acontecem nos próximos dias 19 e 20, a trajetória da poetisa, romancista e cronista.
Ruth passou parte da infância em uma fazenda administrada pelo pai, no Sul de Minas Gerais, onde conviveu com as famílias de peões e colonos. Com a avó, aprendeu as tradições dos índios e dos negros. De todos esses relacionamentos, recolheu diversas histórias que, posteriormente, lhe serviram como referências para a concepção de suas obras. Aos 17 anos, se mudou para São Paulo e ingressou no curso de Letras Clássicas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP).
Tendo em mãos e na sua essência a tradição oral do povo do interior, ainda bem jovem – aos 26 anos – lançou seu primeiro título: “Água Funda”. Esse romance causou um intenso frisson na crítica literária da época – caso do crítico Antonio Candido – e a projetou nacionalmente. A obra, de 1946 e que retrata o universo rural e caipira com o qual conviveu por anos, é considerada um marco da literatura regionalista.
Por alguns anos, Ruth recebeu orientações de Mario de Andrade sobre pesquisa popular, técnicas de coleta e referências de fontes bibliográficas. Um dos resultados dos ensinamentos obtidos com o mestre foi a publicação de “Os filhos do medo”, em 1950, uma ampla pesquisa folclórica sobre o diabo e todas as suas manifestações no imaginário do homem, no Vale do Paraíba.
A pesquisadora de manifestações folclóricas também produziu inúmeras reportagens para a Revista O Globo, entre as décadas de 50 e 70, e foi repórter das revistas Noite Ilustrada, Carioca, Senhora, Quatro Rodas, Atualidades Literárias e Revista Lusitana (Portugal).
Ruth Guimarães era uma mulher multifacetada. Lecionou em colégios e faculdades como a Aliança Francesa de São Paulo, Universidade de Taubaté, Faculdade de Música Santa Cecília de Pindamonhangaba, Faculdades Integradas Teresa D’Ávila em Lorena e na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cruzeiro.
Dentre suas pesquisas, destaca-se uma que levou mais de 30 anos e que se debruçou nas ervas e raízes medicinais, culminando em uma enciclópedia de 12 volumes sobre medicina natural. Em sua cidade natal, Ruth fundou a Academia Cachoeirense de Letras, o Museu de Folclore Valdomiro Silveira e a Guarda Mirim de Cachoeira Paulista.
Já em 1989, recebeu do Instituto de Estudos Valeparaibanos, de onde mais tarde viria a ser membro, o Prêmio Cultural Eugênio Sereno. Ruth também era membro da União Brasileira de Escritores e integrou outras importantes entidades culturais, como o Centro de Pesquisas Folclóricas Mário de Andrade e a Sociedade Paulista de Escritores.
Foi casada por 51 anos com o primo, fotógrafo e jornalista José Botelho Netto (falecido em 2001), com quem teve nove filhos: Marta, Rubem, Antonio José, Joaquim Maria, Judá, Marcos, Rovana, Olavo e Júnia. Poetas, jornalistas e professores. Em 2008, Ruth foi eleita para ocupar a cadeira número 22 da Academia Paulista de Letras, da qual participou ativamente até pouco antes de sua morte.
Ruth Guimarães dedicou sua vida às letras (1920-2014). São mais de 50 obras publicadas, entre ensaios folclóricos, romances, contos, poemas, traduções, crônicas, livros infantis e reportagens.
FlinkSampa
Entre as atividades da FlinkSampa, na tarde do dia 19 (quinta-feira, às 16h10), haverá um painel com Joaquim Maria Botelho, filho de Ruth, a escritora Conceição Evaristo e Tom Farias, curador do evento. No bate papo serão destacadas as obras e a vida da primeira escritora negra brasileira a obter projeção nacional, uma das mais importantes vozes da literatura brasileira contemporânea.
Além da conversa, durante a mesa, também será realizado o lançamento de uma edição comemorativa dos 70 anos de “Os Filhos do Medo”. O título, de 1950, lhe rendeu um verbete na Encyclopédie Française de la Pléiade, fazendo, dela, a única escritora latino-americana a receber essa menção.
Como parte da programação da Virada da Consciência 2020, realizada pela Universidade Zumbi dos Palmares e pela ONG Afrobras em comemoração à Semana da Consciência Negra, a 8ª edição da FlinkSampa será completamente digital e poderá ser acompanhada pela plataforma da Virada, gratuitamente. Os patrocinadores em 2020 são: Coca-Cola, EMS, Febraban, Itaú e Santander.
Bibliografia resumida
Literatura
- Água Funda. Porto Alegre: Edição da Livraria do Globo, 1946.
- Filhos do Medo. Porto Alegre: Editora Globo, 1950.
- Mulheres Célebres. São Paulo: Editora Cultrix, 1960.
- As Mães na Lenda e na História. São Paulo: Editora Cultrix, 1960.
- Líderes Religiosos. São Paulo: Editora Cultrix, 1961.
- Lendas e Fábulas do Brasil. São Paulo: Editora Cultrix, 1972.
- Dicionário da Mitologia Grega. São Paulo: Editora Cultrix, 1972.
- O Mundo Caboclo de Valdomiro Silveira. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora/Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo do Estado de São Paulo/Instituto Nacional do Livro, 1974.
- Grandes Enigmas da História. São Paulo: Editora Cultrix, 1975.
- Medicina Mágica: As simpatias. São Paulo: Global Editora, 1986.
- Lendas e Fábulas do Brasil. São Paulo: Círculo do Livro, 1989.
- Crônicas Valeparaibanas. São Paulo: Centro Educacional Objetivo/Fundação Nacional do Tropeirismo, 1992.
- Contos de Cidadezinha. Lorena: Centro Cultural Teresa D’Ávila, 1996.
- Vestuário São Paulo: Donato Editora Ltda., Volume II, s.d.
- Esta é a segunda carta que lhe escrevo. In: Cartas a Mário de Andrade. Organização de Fábio Lucas. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1993.
- Água Funda. 2. ed. Prefácio de Antonio Candido. São Paulo: Editora Nova Fronteira, 2004.
- Calidoscópio: A saga de Pedro Malazarte. São José dos Campos: JAC Editora, 2006.
Obras Teatrais
- A pensão de Dona Branca
- Romaria
Traduções
- Histórias Fascinantes, de Honoré de Balzac: seleção, tradução e prefácio. São Paulo: Editora Cultrix,1960.
- Os Mais Brilhantes Contos de Dostoievski, de Feodor Mikhailovitch: introdução, seleção e tradução. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1966.
- Contos de Dostoievski: introdução, seleção e tradução. São Paulo: Editora Cultrix, 1985.
- Contos de Alphonse Daudet: seleção e prefácio. Tradução: Ruth Guimarães e Rolando Roque da Silva. São Paulo: Editora Cultrix, 1986.
- Contos de Balzac: seleção, tradução e prefácio. São Paulo: Editora Cultrix, 1986.
- Os Melhores Contos de Alphonse Daudet: seleção e prefácio. Tradução: Ruth Guimarães e Rolando Roque da Silva. São Paulo: Círculo do Livro, 1987.
- Os Melhores Contos de F. Dostoievski: tradução, seleção e introdução. São Paulo: Círculo do Livro, 1987.
- Os Melhores Contos de Balzac: seleção, tradução e prefácio. São Paulo: Círculo do Livro, 1988.
- A Mulher Abandonada e outros contos de Balzac: seleção, tradução e prefácio. Rio de Janeiro: Ediouro, 1992.
- Histórias Dramáticas, de F. Dostoievski: seleção tradução e prefácio.
- O Asno de Ouro, de Apuleio. Edições Ouro, s.d.
- A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho.
- A Corrente, de Claras Cartas, do italiano. São Paulo: Editora Saraiva, s.d.
Serviço
FlinkSampa 2020 – Festa do Conhecimento, Literatura e Cultura Negra
Data: 19 e 20 de novembro (quinta e sexta-feira)
Onde: Transmissão pela plataforma digital da Virada da Consciência / www.viradadaconsciencia.com.br
Gratuito / Livre