O trio de escritoras agitou o fim de tarde do domingo (17/11), no Sesc Pompeia, na capital paulista. Como que um imã, as histórias e as conversas entre essas três autoras foram atraindo o público que entrava e não saia mais do espaço, que não demorou para ficar lotado.
O ilustrador e escritor Estevão Ribeiro foi o mediador da mesa Memória, Identidade e Resistência na Literatura, onde convidou e provocou as convidadas a contarem como iniciaram na literatura e de que forma as palavras e os livros influenciaram e ainda ditam os rumos de suas vidas. Entre risadas e muitas reflexões, Elisa Lucinda, Eliana Alvez Cruz e Teresa Cárdenas tiveram a generosidade de compartilhar suas ricas experiências de vida.
Enfim, a mesa cativou o público presente ao apresentar histórias presentes nas obras das autoras relacionadas com a recomposição da identidade e o empoderamento das mulheres negras em todo o mundo.
Eliana Alvez Cruz
“Minha mãe lia para mim os livros do Monteiro Lobato e hoje eu vejo que ela editava os livros. Aquelas partes que são complicadas, eu lembro que ela dava um jeito de mudar. Ou seja, minha mãe foi a minha primeira mediadora de leitura. O que falta às vezes para as crianças, não é?”, indagou Eliana Alvez Cruz. A escritora ainda compartilhou que a pré-adolescência e a adolescência foram fases difíceis da vida. “Eu senti que quando eu abria a porta, a minha cor da pele ia na minha frente. E isso me fazia querer sumir. Me fazia querer me esconder. Eu não queria ser destacada. Eu queria ter a chance de ser mais um rosto na multidão. Porque ser um rosto destacado não era por admiração, era por repulsa”, ressalta Eliana, que quando adulta se tornou jornalista.
“Um belo dia eu saquei que eu tinha que escrever literatura. Acho que essa é a nossa missão, de a gente procurar a nossa voz. E foi aí que eu achei a minha voz. Aquela menina que não falava, que ficava quietinha. Foi aí que eu entendi qual era a minha voz e quando eu deveria falar. Eu acho que isso é o que me fez finalmente aceitar não ser mais um rosto na multidão”, completou Eliana Alvez Cruz.
Teresa Cárdenas
A escritora cubana e radicada no Rio de Janeiro, Teresa Cárdenas também confidenciou que era uma menina intimidada no sentido de que falava alto. Mas isso pouco a pouco, segundo ela, foi se apagando. “Venho de uma família muito humilde. Eu dormia na mesma cama que minha mãe e cozinhávamos com carvão. Não tinha televisão em casa, nem geladeira. Era muito horrível mesmo. O mundo da literatura, dos livros, eu encontrei quando comecei a escola. Para mim a literatura foi uma casa com as janelas e as portas abertas a outra realidade, a outros mundos, a outras histórias. E por aí eu fugia. E depois, eu vivia na biblioteca do meu bairro. Foi assim que, pouco a pouco, fui me encontrando na literatura, não como uma menina negra, mas como um personagem. Sem meus livros, não seria possível falar de memória, identidade e resistência”, ressaltou Teresa Cárdenas.
Elisa Lucinda
A atriz, poeta e escritora Elisa Lucinda revelou que o plano do pai dela era que os filhos tivessem uma nova condição de vida a partir da leitura e da formação educacional. “Ele queria que todos os filhos fizessem universidade, passassem na universidade federal. Ele queria fazer uma família de intelectuais, porque ele sabia que era uma nova abolição. Ele estava propondo uma abolição a partir da educação”, comentou Elisa, que cursou jornalismo e teatro ao mesmo tempo na universidade no Rio de Janeiro. Ela ainda contou que começou a declamar poemas na praia, depois foi em bares e assim descobriu que podia ler poemas, fazer os próprios poemas no mimeógrafo e vendê-los.
“Saí de Vitória em busca do mundo e tudo o que ele podia me dar, e o mundo se encantou com as coisas que eu trazia da minha aldeia. Descobri que a poesia tinha que ter várias mídias, que tinha que entrar em todos os lugares e que tinha que ser falada, escutada, ouvida”, completou Elisa Lucinda.
E o público no Sesc ouviu poemas e textos de Elisa Lucinda, Eliana Alvez Cruz e Teresa Cárdenas, que fizeram um pequeno Sarau que encerrou a FLINKSAMPA – Festa Internacional do Conhecimento, Literatura e Cultura Negra, promovida pela Universidade Zumbi dos Palmares no Sesc Pompeia.